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E vem uma vontade de meter a costura pela pia abaixo, e de ir para longe ao menos só para chorar à vontade. A vida, senhor juiz — se o senhor juiz soubesse o que é a vida!
A falta de coragem é o que é o pior ñas mulheres. A gente ainda tem medo dos tempos em que a lei nos batia mais que os homens. Então o senhor juiz julga que uma mulher séria usa saia curta por moda — lá no íntimo da alma déla? É para chamar os homens — mas o que ela não se atreve é a deixá-los chegar. Então há alguma mulher que se decotasse senão para ser apalpada com os olhos?
Tenho, senhor juiz, tenho muitas coisas é a dizer e oxalá o senhor juiz e os senhores jurados se não importem que eu as diga. Porque esta, senhor juiz, é a verdade, e o que eu sinto, e o que toda a gente sente, se pensar nisso e eu quero dizer isso tudo, senhor juiz, sem tirar nem pôr.
O que faz mal à gente é a imaginação. Se uma mulher não tem imaginação é séria por sua natureza, senhor juiz, séria a valer.
Mas a gente nasce com o coração que recebe, e é com esse que tem que sentir e penar.
Sempre o mesmo homem, senhor juiz — o mesmo homem todos os días, com o mesmo corpo e a mesma maneira! Todas as noites, senhor juiz, e na mesma cama — nem a cama muda ao menos. E aquilo ao fim de tempo já não era viver, nem coisa que se parecesse — era uma coisa entre comer para não ter fome e fazer o serviço da casa… Se os homens soubessem o que custa a aturar! Se soubessem o nojo que a gente tem por eles cá dentro quando está encostada a eles!
E eu, senhor juiz, não tinha outro remédio senão matálo para estar bem com a minha consciência e com a Igreja.
Foi por isto, senhor juiz e senhores jurados que eu matei o meu marido.
Quando César chegou tarde ao fim do campo de………, ergueram rápidos perante ele a cabeça de Pompeu. César abriu em lágrimas, e os que estavam pasmaram. O que erguera a cabeça baixou-a um pouco; estava atónito, e além disso ela pesava, porque ele a erguera a braço largo.
— Assim, que vale uma vitória? — perguntou César.
— É certo — respondeu o que o seguia, pois não sabia que dizer.
E César continuou: «Foi meu amigo, meu companheiro, era romano e soldado…»
E depois disse: «Cheguei tarde…»
O companheiro esboçou um gesto sem nada, e César voltou as costas curvas de dor.
«Cheguei tarde», repetiu. «Quería tê-lo eu matado com minhas mãos».
Moralidade:
Cuidado com as lágrimas, quando são estadistas os que as choram.
Havia em tempos, no Porto, um rapaz estudante, vindo das províncias do Norte, chamado Saraiva. Este rapaz tornara-se notável entre os companheiros pela certeza da própria perspicácia e a sua igual certeza de seus talentos de declamador. A cada frase, por simples que fosse, que lhe parecesse envolver uma mentira, tomava a mentira como dirigida inutilmente contra a rocha da sua esperteza; e, levando o indicador direito à pálpebra do olho direito, descia-a, no gesto dos álacres, e dizia ao interlocutor, em aviso e ameaça alegre: «Eu sou o Saraiva!» E o outro ficava sabendo que o não conseguirá enganar. O indicador erguia-se livre.
Esta ciência certa, considerada pelos outros rapazes como ridícula em si mesma, levou-os a combinar, servindose da preocupação que o Saraiva tinha de declamador, uma cena cómica, destinada a, de vez, pôr o Saraiva em salmoura social. Sabendo o horror do ridículo que estava latente naquela constante preocupação de que não era enganado, combinaram com várias raparigas das suas relações, de boas famílias e condição decentíssima, uma sessão em casa dos pais de umas délas, para a qual convidaram o Saraiva para declamar. E estava combinado que, apresentado o Saraiva e convidado a mostrar seus dotes de declamador, eles fossem, por fim, reconhecidos com uma gargalhada geral. Desta, fixaram bem, o Saraiva se não escaparia, e ficariam pagos de tanta irritação de certeza.
Expuseram ao Saraiva que havia várias senhoras que gostariam de o ouvir declamar, pois lhes constara o que valia na matéria, e com ele estabeleceram que o apresentariam em casa dessas senhoras, podendo ele aparecer em tal noite, e a tais horas.
Grato, o Saraiva acedeu e a combinação ficou feita. Sucede, pórem, que, chegado a casa, comegou a meditar no convite, e, desde logo, a desconfiar dele. «Ali há coisa», pensou o Saraiva. E, sozinho, diante do espelho, levou o indicador direito ao olho direito, no gesto baixante da esperteza, «Mas eu sou o Saraiva!», apontou para si mesmo.
E meditou, «Que diabo será a partida?». Não tardou que descobrisse. Tratava-se de encher uma casa qualquer de uma quantidade de meretrizes dispostas com aparência de senhoras e meninas, e de o convidar (a ele Saraiva!) para ir fazer diante délas o papel de recitador. Conclusão lógica, conclusão natural. E o Saraiva tomou mentalmente as suas precauções.
Chegou a noite, e chegou o Saraiva. E, junto com os vários camaradas, foram dar à casa onde estavam reunidas as senhoras todas que os esperavam. Para entrada e deslumbramento, os apresentantes, aberta súbitamente a porta da sala, que se revelou cheia de senhoras, apresentaram, «Minhas senhoras, o sr. Saraiva!», com o ar de quem apresenta um dos homens célebres do mundo.
Então o Saraiva, álacre, deu um pulo para o meio da sala, e braços abertos, gritante e alegre, bradou para as senhoras todas: Eh, putedo!
E depois, voltando-se a rir para os apresentantes lívidos, inclinou a cabeça e levou à eterna pálpebra direita o eterno indicador direito, «Vocês esqueceram-se que eu sou o Saraiva»…
Moralidade:
Não ser Saraiva.
Na dúvida ser Saraiva, porque aqui o Saraiva foi o parvo e os outros é que ficaram atrapalhados.
Quando uma nação eré firmemente em si mesma, humilha os outros ainda quando se engana e é ridícula. Coisa por cousa, mais vale ser Saraiva. Porque é preciso não esquecer o resultado prático de tudo isto. As raparigas ficaram insultadas, os rapazes ficaram envergonhados: quem ficou vencedor foi o Saraiva.
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